20161008

Algumas mortes.

Morre-se muita coisa.

Isto é, morre-se tudo.

O estar morto, em si, não é nada mal – ao menos não parece ser, é exatamente isso, na verdade, "nada mal". Sem dúvida sou óbvio aqui, mas o duro mesmo é a relação entre o vivo e o morto. Mais especificamente, o olhar do vivo para o morto.

Eu, vivo, vejo. O quê? Os mortos, e também os outros vivos olhando mortos. Vejo também as partes de mim que já morreram e, pra ser bem sincero, chega a ser alarmante sua quantidade. Numa analogia também já velha – quase ao ponto da putrefação –, é o problema essencial da necrose: se uma parte de seu corpo já está morta, ela vai de pouco a pouco matando também o resto, e, portanto, caso se queira preservar a vida, é preciso eliminá-la de todo, talvez mesmo cortar-lhe logo o membro por completo. Também é assim com a morte da personalidade ou até da história de uma pessoa, caso não seja feita uma excisão perfeita é certo que ainda mais e mais e mais será consumido pela morte.

O problema – como em mais tantos outros casos que poderiam se tornar comparações fáceis aqui – é saber se o que está morto está, de fato, morto. Diferentemente do corpo, em que os doutores veem claramente os sinais da decomposição e até mesmo um leigo pode percebê-los com certa facilidade, nossa mente/espírito/atitude/passado é transparente demais para que vejamos o tecido negro. Ou, melhor, é opaco demais para os olhares externos e transparente em excesso para quem vê de dentro. And so on and so on.

Talvez algumas mortes precisem ser definitivas.

Não.

Todas as mortes são definitivas. Chega um ponto em que só se pode lembrar e erigir monumentos ao que já se foi.

A República, enfim, fecha as portas totalmente. Obrigado a quem resistiu ainda mais um pouco, mas a verdade é que já estamos todos mortos.

Sinto saudades tuas.

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