20110929

paula disse:
16 de setembro de 2010 às 21:28
Hoje dia 16 de setembro 2010 as 19 horas no Cartoon Network, canal de desenho animado que tem na tv a cabo ( sky , net e etc ) meu filho estava assistindo um desenho chamado Hora de Aventuras. O titulo do episodio era “o bruxo” entao o personagem Finn pergunta para seu amigo , um cachorro chamado Jake. “como deve ser o gosto do coraçao de um demonio?” e o outro fala nao sei. e depois o 1 personagem fala:”como deve ser ter todos os poderes de um demonio. deve ser legal né.”
ai aparece uma caveira verde com uma capa preta e fala eu ouvi o que vcs falaram. se quiserem posso dar tudo isso a vcs. é so me seguir. e os dois seguiram a caveira

eu fiquei apavorada. to acostumada a ver desenhos com meu filho. e na mesma hora mudei de canal. e nao permitirei mais que meu filho veja este desenho.
temos que prestar atençao no que nossos filhos assistem.
peço a vcs que passem essa mensagem a frente.


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20110928

se eu fosse rápido, muito rápido

minha mão teria se estendido e agarrado seu braço e você me encararia (a surpresa da violência)  e eu soltaria seu braço (a consciência da violência) e ainda sim seria nosso fim

Se eu fosse rápido, muito rápido

Um cachorrinho com a dona no meio-fio. Na coleira. Patinha na rua. Certa vitalidade decisiva. Olhar atento, mas tranquilo, seriedade dos que são e são muito bem. Um cachorrinho que parecia se submeter à coleira simplesmente porque ela não valia nada, ou ao menos não muita coisa diante de sua plenitude canina, posando seu desejo nato de atravessar a rua com sua dona, ou ainda, atravessar sua estúpida dona na rua, ou ainda, atravessar a rua na dona, ou ainda, atravessar a coleira na dona na rua. Não parecia importar nada, pleno em seu pelo, com seus olhos brilhantes, mas serenos.

Pensei então em escrever um romance sobre este belo cão, mas percebi que só seria possível se eu fosse o escritor mais rápido do mundo, pois já agora bate um desgosto em continuar a falar desse cachorro que agora, palavra a palavra, se torna estúpido.


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20110923

Batida de asas de borboletas e o estreito caminho das grandes verdades humanas


Algo o incomodava.
Podia ser a escuridão absoluta que absolutamente escurecia naquele absolutamente escuro corredor. Podia ser o mero fato de estar ali, tomado de uma só vez refém e guardião da moça que deveria ter sido apenas mais uma vítima, indo de encontro a Kim Jon-Il, seu ex-empregador e atual inimigo. Podia ser o tilim-toc-tilim que Najibah fazia ao chutar, com a perna de pau, um objeto qualquer que ela achara ao longo do corredor e que, inexplicavelmente, não perdia na escuridão.
Fosse por quê fosse, Samuel Matias descontava seu incômodo falando sem parar.

Algo a incomodava.
Podia ser a escuridão absoluta que absolutamente escurecia naquele absolutamente escuro corredor. Podia ser o fato de ter perdido tudo o que tinha, inclusive uma perna, e de ter tido que se unir a seu algoz para ter qualquer esperança de alcançar a almejada Vingança. Podia ser o maldito objeto que ela não parava de chutar com sua perna de pau, fazendo tilim-toc-tilim – mesmo quando ela tentava andar no curso mais aleatório possível, na compreensível expectativa de que isso a faria errá-lo. Ou podia ser o fato de que Samuel Matias falava sem parar.

...e então eu cheguei à Coreia do Norte, onde fui apresentado a ele pela primeira vez. E ele simplesmente disse para mim: Voe por aí, despeje cobre derretido ou o metal que mais lhe aprazer sobre os vilarejos, divirta-se. E eu pensei: Oras, por que não?, e...

Quanto tempo fazia que andavam? Najibah havia tentado contar seus passos ao longo do corredor, mas perdeu a conta quando o tilim-toc-tilim começou a lhe irritar demasiadamente. Por que Jim Jong-Il estaria em um lugar como esse? Certamente era seguro, mas algo parecia errado.

...mas claro que as crianças tinham gritos mais agudos, então eu acabava dando alguma preferência a elas, veja bem, por questões estéticas, apenas, já que no mais, era totalmente imparcial, palavra!...

Park, o homem gordo que os liderava, se fazia saber apenas pelo som dos passos. Ela prestava atenção. Não havia nenhuma irregularidade no andar dele, pelo contrário. Era firme, decidido, embora não fosse valente. Além disso, ele fedia a medo e, numa situação dessas, medo indicava honestidade.

...e no outro dia ele já estava animado novamente, então me disse: Voe para a Índia e de lá para o Paquistão e eu disse Paquistão? e ele disse Sim, para Peshawar e eu disse oras, claro, por que não? e...

Toda a situação era um aborrecimento completo, ainda mais porque a perna de pau lhe doía, mas finalmente Najibah avistava ao longe indícios de iluminação. Ela estancou.
O que você disse?
Hein?
Sobre o Paquistão. O que Kim Jong-Il lhe pediu?
Para ir da Índia para Peshawar, porque lá...
Não.
Não?
Não. Ele não disse. Ele não diria isso.
Por que não?
Porque ele gosta de cinema. Se você fosse da Índia para Peshawar, você teria que fazer um pouco forçado e ir para Shangri-la.
É?
Definitivamente.
Então ele queria que eu caísse? Porque eu não caí, e...
Não, ele não queria nada, na verdade...
Ela se abaixou, tateou o chão. Suas mãos encontraram a peça de metal, o tilim de seus tocs. À pouca luz que agora havia no túnel, Najibah examinou o objeto. Era o Spirit of Ecstasy.
Samuel, ela disse, enquanto Park a chutava para o chão e imobilizava o outro, é uma armadilha.

20110921

E o vencedor do I Campeonato da República Layer é...

Jean Vigo!

Por ter nos ensinado a nadar antes mesmo que Bresson pussesse suas mãos no cinematógrafo, e por ter morrido antes mesmo deste concurso ocorrer. Por unanimidade o júri posterior, contudo não póstumo, considerou sua obra, exibida abaixo, como o layer vital de toda e qualquer república que se preze a botar suas patinhas na água da História ou do Photoshop!



Urra! Urra! Urra!

Que venha a segunda edição (se ainda houver campeões).


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20110919

renascença cristã no burburinho

Duas pessoas sentadas são essencialmente um conluio, conspiração - ainda que não saibam. Adicionando-se álcool, os acordos & planos se tornam ainda mais confusos & ainda mais ambiciosos (em toda a acepção dessa palavra) & de repente toda palavra (toda sílaba!) tem dezesseis degraus de significação, cada fonema saindo da minha boca tem uma nuance secreta que flutua como nota musical mecânica que abre cofres hi-tech. Toda palavra é um abre-te-sésamo, podemos dizer, mas as portas estão todas invisíveis & são iguais & não se sabe para onde levam.

Aí eu levanto e vou ao banheiro e deixo ela sentada esperando porque sinceramente eu não faço mais idéia do que tou dizendo e no banheiro lambuzado de espelhos eu me olho totalmente vestido e penso em me masturbar mas lembro da minha regra - masturbação em banheiros, só na escola, só quando tiver pelo menos outra pessoa na cabine ao lado (e aqui nem tem cabine ao lado) então desisto e só vomito no chão todo e saio.

(é bom lembrar que contrariando a opinião popular o álcool não muda quem você é & sim quem os outros são & por isso existem pessoas que ficam muito melhores depois da cachaça & existem pessoas que ficam piores & existem pessoas que ficam outras mas ainda assim.)

Quando eu chego a conta já foi paga e alguém levou a outra cadeira embora, nada na mesa, só um copo tombado, meio triste, mas é a vida, o bar totalmente lotado e pulsante e irritante e barulhento e vivo (isso é negativo) tremendo em um ponto só que nem um beija-flor balançante ou um átomo vibrante e televisões por todos os lados silenciosas como se estivessem mortas, e aí você vira e passa pela primeira pessoa que vê (uma mulher falando no telefone na porta do bar, na verdade escutando alguém falar) e simplesmente agarra, com as mãos e a boca, e o gosto de cigarro mais do que a língua (mas a língua vem) é a experiência (muito mais agradável do que se imaginaria, caso você não fosse fumante), desisto em uns 15s e a mulher me olha meio feio, saio de lá por uma fresta.

E então não há resposta nenhuma, claro, não se deve esperar respostas nem narrativa, frustração garantida, só alguns passos ruabaixo ou acima, no horizonte alguns robôs dançam lenta e languidamente algum tango desfiado. Não é nem mesmo possível imaginar uma casa agora.

Chorar; Não chorar; Qualquer um

"Hope there's someone
to take care of me
when i die..."

Anthony

Deve ser ruim morrer sem que ninguém se importe, sem que haja qualquer um, qualquer qualquer, que chore sua morte. Eu nunca tinha pensado nisso.
Mesmo se nós maltramos os débeis mentais, se somos funcionários da Bayer ou se assistimos, digamos, vídeos de tortura pela internet [tortura e morte], nós esperamos e esperaremos que alguém nos pranteie a partida. Vou supor aqui que
Roberto era um homem que assistia vídeos de tortura pela internet, tortura e morte. Num dia, sua mãe o chamou para o almoço, e ele disse "já vou". Sua mãe morreu, num outro dia, por qualquer causa.
Procuramos sempre causalidades. O casamento foi uma instituição muito importante para o europeu médio cristão, no tempo da cristandade, e Roberto, considerando, como europeu médio que era, a história da Europa como a história da Humanidade e de qualquer homem e dele próprio, entendeu que era hora de um casamento. Roberto queria ter alguém que chorasse sua morte.
A mãe da noiva chorou o casamento todo, e Roberto morreu durante o beijo.
Naquele instante, pareceu a Roberto que a Humanidade era algo grandioso, percebeu [ainda o mesmo Roberto] na mãe de sua noiva um espelho de sua noiva, e viu [já um outro Roberto, porque eu acho que a morte muda qualquer um] que ambas eram sua mãe, e tal.

20110916

Tenebrosa, assombrosa e espantosa caçada ao querido líder

Samuel Matias correu para trás de um pilar e sentiu a bala passar zunindo a poucos centímetros de seu braço esquerdo. Sem olhar, ele disparou três tiros na direção de origem da bala itinerante e continuou em direção a um corredor escuro. À sua frente, Najibah segurava uma pistola com a mão esquerda enquanto estancava um sangramento com a mão direita e fazia toc-toc-toc com a perna de pau.

Eles estavam juntos havia três semanas. Ao longo deste tempo, Samuel realizou cento e oitenta e nove tentativas de fuga, todas elas resultando em sua inexorável captura e em demonstrações convincentes, por parte de Najibah, de que enfrentar norte-coreanos armados era uma perspectiva menos dolorosa do que continuar tentando fugir (Samuel tinha, no fim das contas, alguma dificuldade para assimilar conceitos), de forma que agora ele já não procurava mais por portas nos quartéis-generais inimigos que lembrassem saídas de serviço.
Ao invés disso, ele seguia Najibah, dando-lhe cobertura e matando centenas de norte-coreanos todos os dias, o que, no mais, também não lhe era muito menos divertido do que sobrevoar povoados despejando ferro sobre camponeses. Durante estes vinte dias, eles haviam invadido quase trinta postos militares, matado todas as pessoas lá dentro e (em geral, mas nem sempre, antes) conseguido informações que os levassem mais perto de finalmente encararem Kim Jong-Il frente a frente.
Agora, ambos corriam em mais um desses quartéis, Najibah empenhada em seguir em frente e Samuel preocupado em mantê-los vivos. Najibah fez uma curva repentina, entrando em uma sala grande, com dezenas de militares, que Samuel eliminou com apenas quatro disparos. Najibah olhou para ele e sorriu, deixando-o pensativo enquanto seguiam em frente, abrindo a última sala inexplorada.
Espere, ela disse, quando ele entrou com a arma a postos. Na sala, havia apenas uma mesa de madeira escura, atrás da qual estava sentado um homem rotundo, suado, de olhos expremidos e respiração nervosa.
Precisamos chegar a Kim Jong-Il, disse Najibah, indicativa.
Não me matem!, disse o homem, imperativo.
Talvez não o matemos, disse Samuel, subjuntivo (e também mentiroso), se você colaborar.
Está bem, está bem (começavam a se repetir), disse o homem. Eu os levo até ele.
Najibah ficou atônita por algum tempo. Nos leva até ele?, perguntou. Você não vai nos dar uma dica em forma de charada ou coisa do tipo, como tem ocorrido até agora? Vai realmente nos levar até ele?
O homem, que, por praticidade narrativa, adianto se chamar Park, praguejou diante de sua falta de criatividade, mas confirmou: Sim, levo.
Erguendo-se, Park empurrou a mesa e revelou um alçapão.
De fato, disse, Kim Jong-Il se encontra a poucos minutos daqui.

20110914

Ferreira Gullar, parte III (crônicas do curtir)

Mais uma vez, encontrei Ferreira Gullar. O dia estava muito quente (foi ontem). Ele vestia uma camisa leve. Eu lhe disse:

"Cuidado que vai esfriar daqui a pouco, esses dias estão ridículos!"

E ele: "Eu não sou uma velhinha indefesa…"

Ri. Sugeri que ele tentasse uma revanche (o braço-de-ferro havia o desmoralizado terrivelmente semana passada). Ele encostou a cabeça para trás, pensativo. Peguei mais um pão-de-queijo e esperei por 15 ou 20 minutos.

"Se você pretende ver quem morre primeiro, você provavelmente vai ganhar", disse lhe encarando os olhos. Quase não consegui evitar o riso.

"Truco, então", retrucou Gullar (ou José Ribamar, como não gosta de ser chamado), de cara fechada.

Cultura de apoio a Ciao Miao



16 SET - 23:15 - CineSESC
28 SET - 19:00 - CineSESC

Xô preguiça!


20110913

jornada de júlio, saída e infiltração

no momento em que esqueci quem era janaína
abri um cofre do qual tirei meus vinte seis mil, trezentos e sessenta e seis [reais remanescentes
e abandonei uma casa razoavelmente bem conservada pela qual nutro [sentimentos apenas neutros.

poderia ser carteiro, policial, agente de saúde, corretor de ações, motorista, [carpideiro, venenoso, juiz, terrorista, bailarino, mestre de obras, bondoso, relojoeiro, estivador
mas decidi dissolver.

infiltra-se nas rachaduras das calçadas
um tipo diferente de chuva
feita de plástico translúcido e neurônios
feita de raízes e réguas
feita de cabelo e pão.
desce grave até o núcleo
e se torna um ardil.

só os planos revelam
o futuro roubado.
nós roubados nós ausentes
nós impossíveis.

flutuo lamacento pelos vãos das portas de aço
as câmaras de decisão. as câmeras de silício.
os olhos sem olhos sem olhos.

me disseram: "só um homem sem amor poderá detonar o aparato".

acordar de um sonho em uma cela.
nossa ausência árvores que brotam do vão.
o novo nome dado a um homem novo.

lago feio
refúgio não
o golpe bem sucedido subtrai também o passado possível
minhas mãos sem marcas me acariciam/torturam

um jogo sem resultados
nem fim.

20110910

a 57 na motocicleta

bom ver
chegar o verão
no vestido
curvado
da minina~~~~~~~~~~~~ ainda que se espere a brisa

20110907

a moça que amei muito agora está com meu melhor amigo

uma garotinha de cabelos claros
olhos azuis
azuis profundos como piscina
cabeçuda pra caramba

tínhamos 7 anos e eu não sabia que ela me amava
se soubesse
teria apertado ela e mordido sua bochecha
mas eu não sabia

como eu ia saber?
ela nunca me disse e
eu sou péssimo pra essas coisas

outro dia meu melhor amigo me disse
'olha, ela te amava muito
mas agora ela é minha'

imaginei os dois nus
abraçados na cama
sorrindo e
e rindo de mim

eu disse
'vá se foder
vá se foder
vá se foder'

e ele
ele disse
'ei, eu entendo, eu sei que dói

mas doeu mais nela
esse tempo todo e você nada
você devia
pensar
sobre
isso
hoje'

eu estou pensando.

20110905

Dois trechos encontrados em um txt esquecido


No meu primeiro dia na faculdade, no trote, ainda, eu vi uma menina um pouco mais bonita que a média. Nenhuma beldade, claro, era um curso de engenharia, afinal (não, estou sendo maldoso), mas uma menina e bonita e na época era o que me bastava. Foi minha primeira paixonite na faculdade e, por 5 anos, eu nunca sequer falei oi pra ela. Por algum tempo eu cheguei a saber o nome dela, pelo menos, mas agora já nem isso.




 ***




Acordou sem os olhos. De alguma forma, o sabia, ainda que nada lhe doesse. Obviamente que não enxergava, mas daí não se pode depreender tão facilmente que os olhos se foram, e disso são prova todos os cegos do mundo, exceto, claro, aqueles desprovidos de olhos.
Que teria se passado? Não podia ser que alguém lhos tivesse arrancado, simplesmente, enquanto dormia. Podia? Tinha o sono pesado, talvez pudesse. Talvez alguém tivesse invadido a casa na calada e, na falta de bens de maior valor e diante dos entraves todos ao furto de rins -- a presença de carne e pele que os cobrem, a ausência na casa de gelo e de uma banheira --, roubado um par de olhos.
Fazia até algum sentido. Se fosse roubar um olho, Gil também optaria por levar o outro, até porque olhos de pessoas diferentes raramente combinam entre si. Devia ser isso, portanto. Levantou-se. Tateou seu caminho até a porta. Agora, tinha que decidir o que fazer.

20110901

Dê-me seu coração e eu lhe darei cinquenta e três facadas

Samuel Matias tinha uma espécie muito particular de medo de aviões: apesar de passar a maior parte das suas horas despertas voando, e de encontrar grande prazer nesta atividade, lhe provocava arrepios a mera ideia de permanecer dentro de uma aeronave no solo. Isto não é natural, diria ele a qualquer um que lhe indagasse os motivos, acaso houvesse no mundo quem lhe indagasse qualquer coisa. Por isso, tinha o costume de gastar os poentes à procura de locais abertos em que pudesse pousar, em geral em campos próximos às grandes cidades, e passar a noite, dormindo na grama à luz do céu e sob a proteção das asas negras do boing.
Encontrava-se assim o nosso herói quando lhe arranca do sono o toque suave de uma mão em seu ombro. Seus olhos levam algum tempo para se ajustar à luz do sol antes que ele perceba, diante de si, o sorriso terrível da jovem que a ele se dirigia. Somente alguns minutos depois, já imobilizado e amarrado, ele viria a perceber que ela mancava.

Não lhe agradava muito o sabor do sangue escorrendo para a boca, e também era um pouco incômodo enxergar com os olhos inchados, mas o que o aborrecia mais era a claustrofobia qualificada de estar no avião pousado. À sua frente, Najibah, tirava um prazer vingativo do desconforto de sua vítima, enquanto sacolejava um bastão de ferro entre as pernas do homem.
Não que fizesse alguma diferença, mas algo nela demandava uma explicação para o ocorrido, de forma que ela perguntou a ele, afinal, o que levava um sujeito a cruzar o planeta para derramar chumbo derretido em povoados que nunca lhe haviam ofendido.
Diga-me, disse ela, e então eu arrancarei seu coração.
A consequência inevitável da demanda tornava um pouco menos tentadora a ideia de dar-lhe uma resposta, de modo que, a fim de dar-lhe convicção, Najibah fê-la acompanhar por algumas pancadas certeiras do bastão, até que Samuel respondesse em gritos agudos que faziam pouca jus ao conteúdo das palavras: Culpe Kim Jong-Il.
Embora não houvesse nada em nenhum de seus passados possíveis que justificasse tal fato, Najibah era uma pessoa estranhamente politizada para uma camponesa cujas belezas módicas e (mais recentemente) a debilidade de uma das pernas eram compensadas pelo esforço incansável no arado e (mais recentemente) na busca por um único homem, a quem dera o nome de Duque de Chumbo. Diante da revelação, porém, uma nova vendeta se anunciava, de forma que ela abaixou o bastão e declarou ao homem a seus pés:
Você me ajudará a chegar a ele. E então eu arrancarei seus corações.

crueldade escancarada